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O BENEDITO CHAMADO EDU

Publicado segunda, 03 de agosto de 2020





Benedito Januário nasceu em 26.07.46, na zona rural de Igaraí, São Paulo, filho de Arlindo Tobias e Benedita Teodora. Benedito ficou órfão de mãe recém-nascido. Quase seguiu o exemplo do pai, deixando o alcoolismo acabar com sua saúde. Há quatro anos no Lar São Vicente, Benedito conseguiu se libertar do vício. Como não sabe ler e escrever, o passatempo preferido dele é assistir aos jogos de futebol pela TV. Na mocidade, Benedito foi um craque do time da Mogiana, por ser bom de bola ganhou o apelido de Edu, um famoso jogador do Santos, na época.

 

“Meus pais tiveram três filhos, Margarida, Maria Aparecida e eu. Estava mais ou menos com dois meses quando minha mãe morreu e minha irmã Margarida, quase cinco anos mais velha, me criou. Ela conta que misturava açúcar na água do arroz e dava pra eu beber. Meu pai era carroceiro, puxava madeira, arroz, feijão, o que tivesse na roça. Enquanto ele trabalhava, deixava nóis trêis dentro de casa. Tinha uma tia, Jovina, que morava perto e acudia a gente no que precisasse.

Às vezes brincava na porta de casa com um carrinho de pau feito com carretel de madeira. Eu ficava puxando o carrinho até cansar. Tinha um estilinguinho, caçava passarinhos perto de casa. Eram rolinhas, que eu limpava e assava no fogão à lenha pra mim e minhas irmãs.

Quando morava na fazenda Córrego do Burro, comecei a estudar numa escolinha em Igaraí. Lá, aprendi a escrever meu nome. Em vez de ficar na escola, meu pai me botou pra trabalhar na roça. Com oito anos eu já capinava café junto com ele, debaixo de sol e chuva. Queria estudar e ser mecânico, mas não tive chances.

Não alembro bem, mas nos mudamos algumas vezes, moramos na fazenda do Nenê Dias e na da Chave, em Guaranésia. Meu pai começou a namorar uma moça chamada Ana, que morava numa fazenda mais distante. Pra visitar a namorada, ele deixava os três filhos pequenos em casa. Voltava de táxi, alembro do carro parando na porta. Meu pai pegava mercadoria da tulha para pagar as corridas.

Eles se casaram e tiveram três filhos: Aparecida Natalina, José Tobias e Ivani. Depois, minhas duas irmãs, do primeiro casamento, também se casaram. Eu passei a morar com Margarida e o marido dela, José Martins. Antes de vir para a cidade, moramos no sítio do tio Zé Tobias, no Morro Agudo. Por volta dos meus dezessete anos viemos pra Guaxupé.

Nessa época, meu pai sumiu no mundo, nunca mais soubemos dele. Ele largou o trabalho por causa da bebida. Eu comecei a trabalhar como servente de pedreiro junto com meu cunhado Onofre, casado com Maria Aparecida. Meu primeiro trabalho foi a casa do Jorge Correa, na Rua Barão de Guaxupé. Trabalhamos com seo Miguel Pedro, um grande construtor. Aprendi com ele o ofício de pedreiro. Ajudei a construir muitas casas, inclusive a da chácara do Dr. Sylvio Ribeiro do Valle.

Pontaesquerda da Mogiana

Fui dispensado de fazer o Tiro de Guerra pelos sargentos Bezerra e Teodoro, acho que por causa da leitura. Fiquei chateado, queria fazer o tiro junto com meus amigos, mas não pude fazer nada.

Eu jogava futebol, era pontaesquerda do time da Mogiana. A gente treinava e jogava no campo municipal. As terças e quintas, largava o serviço e ia treinar. Quando trouxeram dezesseis jogadores profissionais para formar o time da Esportiva, a gente treinava com eles. Casca Dantas era um dos meus companheiros. Nosso treinador era o Nelsinho Camilo. Zé Áccula, o taxista, ficava na arquibancada assistindo ao treino. Ele me chamava de Edu, por causa de um jogador famoso do Santos. Esse apelido pegou.

Comecei a namorar depois dos dezoito anos, mas nunca fui de ter mais de uma namorada ao mesmo tempo, eu era respeitador. Gostava de ir ao cinema e depois dar voltas na avenida. Numa dessas voltas, conheci Ivone Aparecida Plácido.

Namoramos uns seis anos. Ela chegou a morar um tempo em Brasília, com uns parentes do Tonico Pereira, mas voltou. Nos casamos em 1975. Construí uma casinha pra gente morar na Vila Coragem. Meus colegas me ajudaram, fazendo uma espécie de mutirão.

Eu gostava de um boteco e de uma pinguinha, de um , como eles dizem. Costumava fazer um aperitivo com meu compadre Antônio Lourenço, tio da Ivone. Depois que terminava o trabalho, tomava umas e outras antes de ir pra casa.

Arrumei emprego de carregador na fábrica de ração da cooperativa, onde trabalhei durante uns cinco anos. Este serviço era bem mais pesado que o de pedreiro. Eu achava um jeito de me refrescar nos botecos, no caminho de volta para casa.

Aí, Ivone e eu começamos a descombinar, acho que por causa da bebida. Mas a gente se separou numa boa, continuamos amigos. Ficamos juntos vinte e três anos, tivemos cinco filhos: Antônio Carlos, Edson Aparecido, Cristina Aparecida, Cristiane e Regina.

A força de uma oportunidade

Voltei a morar com minha irmã, Margarida. Depois que saí da Cooxupé, não peguei mais firme no trabalho, fazia uns bicos de vez em quando. Margarida falava pra mim que ninguém me oferecia alguma coisa de comer, mas uma dose de pinga sempre tinha um amigo pra me dar.

Eu andava pra lá e pra cá, sem trabalhar, não tava ligando pra mais nada, não. Era completamente dominado pelo álcool. Quase não comia, só bebia e fumava. Então, tive um problema muito sério de saúde. Fiquei de cama e dependente de remédios.

Aí, meu filho Antônio Carlos procurou seo Carmo e Cristina, do Lar São Vicente, e contou para eles minha situação. Eles me procuraram, perguntando se eu gostaria de me mudar para lá. Eu aceitei, mas achei que não ia me acostumar, não ia poder mais sair sozinho, ficaria sem liberdade.

Naquela época, eu estava com 61 anos. Pesava 45 quilos, hoje estou com 85 e completamente adaptado, não gosto de ver nem o cheiro de bebida. No começo, até sonhava que estava bebendo, demorei uns três meses pra me acostumar com a nova vida. Nunca mais pensei em beber.

Meu único vício ainda é o cigarro. Há uns quatro meses senti uma dor no peito e o médico me mandou parar. Antes, fumava um maço por dia, agora fumo, no máximo, cinco cigarros. Também estou fazendo dieta, comendo menos sal e tomando mais água, por causa de um problema nos rins.

A família toda costuma me visitar sempre, eles gostaram de ver que me tornei outra pessoa. Eu gosto deles e eles de mim, tá bom demais do jeito que está. Também fiz vários amigos aqui. Não posso sair sozinho, mas agora não acho ruim. Eu queria, se tivesse minha saúde, trabalhar de mecânico.

Meu único passatempo é ver TV. Gosto muito de futebol, sou santista. Ganhamos a Libertadores, depois o time fracassou um pouco, mas vai firmar de novo, a gente chega lá.”

Atualmente, Benedito tem cinco netos. Ele não nega que o álcool tenha prejudicado bastante sua memória e saúde geral. Mas pode ser considerado um vencedor, afinal, poucas pessoas conseguem abandonar um vício sem auxílio especializado. E Benedito tem a força da resignação, não é homem de ficar reclamando da vida.




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