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Guaxupé, 06 de novembro de 2025


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Trabalho invisível: rotina e desafios de quem cuida dos cemitérios públicos

Publicado sábado, 01 de novembro de 2025





Com quase oito anos dedicados ao serviço público, Jéssica Nayara Lima, atua como servidora da Prefeitura de Guaxupé (MG), lotada desde o início no setor funerário. Aprovada em concurso para serviços gerais, ela foi designada para o cemitério municipal, onde permanece desde então. Sua rotina revela os bastidores de uma profissão marcada por silêncio, dor e resiliência.

O dia a dia começa cedo, com a verificação de sepultamentos agendados, análise das condições dos túmulos e, em alguns casos, exumações para reutilização de espaços. “Tem muito túmulo que precisa de reforma, e às vezes a família acaba fazendo gavetas de emergência no mesmo dia”, explica. Além disso, Jéssica cuida da limpeza dos velórios e da organização dos espaços para receber novas famílias. “Já deixo tudo preparado para a chegada do próximo. É estranho falar, mas é a realidade.”

Entre os momentos mais difíceis, ela destaca a falta de estrutura para sepultamentos e a complexidade dos túmulos antigos, que muitas vezes não são localizados. “Infelizmente já teve caso de não achar o túmulo antigo. Fica perdido no meio do labirinto que é o cemitério.” Também relata os desafios com jazigos temporários, que funcionam como empréstimos por três anos. “Depois disso, a família precisa decidir se compra um túmulo ou transfere os restos mortais para o ossário. E uma vez no ossário, não tem como retirar mais.”

A pandemia de Covid-19 foi especialmente marcante. “Foi comovente. Muitas famílias não puderam se despedir. Enterramos amigos, conhecidos, sem saber como lidar com os protocolos. E até hoje, sem nenhum reconhecimento.” Jéssica lembra da insegurança sobre os procedimentos, do uso de sacos dentro dos caixões e da dúvida sobre como será a exumação desses corpos no futuro.

Durante o Dia de Finados, o trabalho se intensifica. Ela reforça a importância de visitas regulares aos túmulos e da organização familiar quanto à documentação e manutenção dos espaços. “Não é só lembrar no Finados. É cuidar, visitar, trazer os filhos, manter a memória viva. Às vezes nem tem mais corpo ali, mas deixar arrumadinho é gratificante.”

Apesar da dedicação, Jéssica lamenta a invisibilidade da profissão. “Só lembram da gente quando morre alguém. Estamos aqui de segunda a segunda, com sol ou chuva, enquanto todos festejam.” A falta de empatia e o preconceito também são recorrentes. “Quando digo que trabalho no cemitério, muitos recuam, como se fosse algo estranho. Já ouvi que somos vagabundos, que ficamos sentados à toa. Mas não veem o tamanho dos buracos que os meninos mexem aqui.”

Ainda assim, ela se orgulha do papel que desempenha. “Tenho orgulho de estar aqui para ajudar. Muitas famílias chegam desorientadas, e saber que posso orientar e acalmar é gratificante.” Para ela, a experiência mudou sua visão sobre a vida: “Estamos aqui só de passagem. Basta estar vivo para morrer.”

A mensagem final é clara: respeito, empatia e reconhecimento. “Temos vida fora daqui. Temos família, filhos. O que pedimos é que olhem para nós com mais humanidade. Que entendam que o nosso trabalho vai além do sepultamento. Tem limpeza, manutenção, acolhimento. E que, acima de tudo, somos gente como qualquer outra.” 

 

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