Publicado sábado, 01 de novembro de 2025

Com quase oito anos dedicados ao serviço público, Jéssica Nayara Lima, atua como servidora da Prefeitura de Guaxupé (MG), lotada desde o início no setor funerário. Aprovada em concurso para serviços gerais, ela foi designada para o cemitério municipal, onde permanece desde então. Sua rotina revela os bastidores de uma profissão marcada por silêncio, dor e resiliência.
O dia a dia começa cedo, com a verificação de sepultamentos agendados, análise das condições dos túmulos e, em alguns casos, exumações para reutilização de espaços. “Tem muito túmulo que precisa de reforma, e às vezes a família acaba fazendo gavetas de emergência no mesmo dia”, explica. Além disso, Jéssica cuida da limpeza dos velórios e da organização dos espaços para receber novas famílias. “Já deixo tudo preparado para a chegada do próximo. É estranho falar, mas é a realidade.”
Entre os momentos mais difíceis, ela destaca a falta de estrutura para sepultamentos e a complexidade dos túmulos antigos, que muitas vezes não são localizados. “Infelizmente já teve caso de não achar o túmulo antigo. Fica perdido no meio do labirinto que é o cemitério.” Também relata os desafios com jazigos temporários, que funcionam como empréstimos por três anos. “Depois disso, a família precisa decidir se compra um túmulo ou transfere os restos mortais para o ossário. E uma vez no ossário, não tem como retirar mais.”
A pandemia de Covid-19 foi especialmente marcante. “Foi comovente. Muitas famílias não puderam se despedir. Enterramos amigos, conhecidos, sem saber como lidar com os protocolos. E até hoje, sem nenhum reconhecimento.” Jéssica lembra da insegurança sobre os procedimentos, do uso de sacos dentro dos caixões e da dúvida sobre como será a exumação desses corpos no futuro.
Durante o Dia de Finados, o trabalho se intensifica. Ela reforça a importância de visitas regulares aos túmulos e da organização familiar quanto à documentação e manutenção dos espaços. “Não é só lembrar no Finados. É cuidar, visitar, trazer os filhos, manter a memória viva. Às vezes nem tem mais corpo ali, mas deixar arrumadinho é gratificante.”
Apesar da dedicação, Jéssica lamenta a invisibilidade da profissão. “Só lembram da gente quando morre alguém. Estamos aqui de segunda a segunda, com sol ou chuva, enquanto todos festejam.” A falta de empatia e o preconceito também são recorrentes. “Quando digo que trabalho no cemitério, muitos recuam, como se fosse algo estranho. Já ouvi que somos vagabundos, que ficamos sentados à toa. Mas não veem o tamanho dos buracos que os meninos mexem aqui.”
Ainda assim, ela se orgulha do papel que desempenha. “Tenho orgulho de estar aqui para ajudar. Muitas famílias chegam desorientadas, e saber que posso orientar e acalmar é gratificante.” Para ela, a experiência mudou sua visão sobre a vida: “Estamos aqui só de passagem. Basta estar vivo para morrer.”
A mensagem final é clara: respeito, empatia e reconhecimento. “Temos vida fora daqui. Temos família, filhos. O que pedimos é que olhem para nós com mais humanidade. Que entendam que o nosso trabalho vai além do sepultamento. Tem limpeza, manutenção, acolhimento. E que, acima de tudo, somos gente como qualquer outra.”
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