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Guaxupé, 16 de março de 2025


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Homenagem a carnavalesca Lorice por ocasião de seu falecimento

Publicado terça, 09 de julho de 2024





Com grande pesar, Guaxupé recebeu a notícia do falecimento da querida Lorice Cury Saad, aos 97 anos, na tarde de segunda-feira, dia 8. Seu corpo está sendo velado na Capela do Lar São Vicente e o sepultamento será às 16h, no cemitério Luiz Smargiassi. Lorice deixou uma linda história de alegria e motivação, e em sua homenagem, compartilhamos novamente a entrevista que ela concedeu à filha Sheila Saad para a coluna “Minha História” em 2011.

 

Lorice Cury Saad nasceu em 25.10.26, em Guaxupé, a primogênita de Elias Cury e Lidia Sabbag Cury, ambos imigrantes sírio-libaneses. Desde pequena esteve envolvida com temas relacionados às artes, seja discursando, na escola, ou fazendo arte, como toda criança inventiva. Como escritora amadora, colaborou com algumas publicações da cidade e, como carnavalesca, foi integrante da Escola de Samba Os Bicancas e, este ano, autora da letra do samba-enredo do Viralatas do Samba. Com sua alegria genuína, é uma carnavalesca cantante, um menestrel em tempos globalizados.

 

“Meus pais se casaram em São Paulo e, em seguida, vieram para Guaxupé morar com meus avós paternos, Padre José Elias e Futina, na casa onde nasci, na Praça do Rosário. Quando meu irmão Kaled nasceu, dois anos depois, já morávamos na Rua Aparecida, onde nasceu, também, outro irmão, José.

Por volta dos meus sete anos, nos mudamos para uma casa próxima à Igreja Ortodoxa. Eu queria brincar na rua, mas mamãe me obrigava a embalar Fátima, minha irmã recém-nascida, num berço de balanço. Do quarto ouvia mamãe cantando, em árabe, enquanto passava roupas. Eram cantos tristes que me faziam chorar ainda mais, por não poder brincar como queria.

Meus irmãos eram coroinhas da igreja. As missas eram cantadas. Como papai também tinha uma voz muito bonita, ajudava o padre, seu pai, a celebrá-las. Ele tinha uma loja de brinquedos, onde atualmente é a Pé Jovem. Vez ou outra, me levava junto em seu Fordão. Um dia, me deixou na porta da loja e entrou, mas não puxou direito o freio de mão e o carro começou a descer a rua. Eu gritei muito. Daí, Merxedez Mussi, que estava na esquina, me socorreu, pulando no estribo e puxando o freio.

Nessa época, comecei a estudar no Colégio Imaculada Conceição. Matei muita aula para roubar goiabas com uma turma de colegas. As freiras tinham uma grande chácara nos fundos da escola, que terminava na Avenida Dr. João Carlos. Uma tábua larga passava sobre um córrego que dava acesso à rua.

Fiquei no Colégio até o 3º ano. As freiras queriam que eu confessasse, frequentasse as missas e procissões. Como meu pai era filho de padre, de outra religião, não concordou com essas exigências. Terminei o primário no Grupo Barão, em 1936, no prédio onde, posteriormente, funcionou o extinto Hotel Central.

Mineirinha na cidade grande

No ano seguinte, papai recebeu uma proposta do seu irmão, Alfredo, para serem sócios num bar da Avenida São João. Como os negócios daqui não iam bem, passou a loja pra frente e nos mudamos para São Paulo, onde nasceu minha irmã caçula, Nádia.

Inicialmente, ficamos hospedados na casa do tio Abrão, irmão da mamãe. Depois, papai alugou uma casa na Dona Avelina, uma rua íngreme, de terra. No final dela, havia uma mina d’água, onde eu buscava água com tia Halul. Levava um jarro pequeno, enquanto ela enchia uma lata de 18 litros que carregava nos ombros.

Logo, nos mudamos para a Rua Neto de Araújo, também na Vila Mariana. Gostava muito de ler, principalmente, revistas de quadrinhos. Uma vizinha tinha uma grande biblioteca e me emprestava os livros infantis da Coleção Melhoramentos.

Fui estudar no Colégio Oriental, numa travessa da Avenida Paulista. Papai conhecia Salomão Yazigi, o diretor, com quem fez um acordo: se conseguisse dois alunos para a escola, recém-criada, eu poderia estudar de graça. E assim foi.

Fiz um ano de admissão e entrei para o 1º ano, que repeti por causa do Francês. No 2º ano, fui a melhor aluna da classe nessa matéria. Meus colegas me chamavam de cebolinha, por causa das minhas tranças vermelhas. O diretor era muito rigoroso, nenhum aluno gostava dele. Uma vez, bateu várias vezes com a régua em minhas mãos porque me encontrou fora da carteira, na sala de aula.

A escola funcionava como semi-internato, mas eu almoçava em casa. Ia e voltava de bonde. À tarde tinha aulas de Árabe, junto com alunos de diversas idades. Coincidentemente, um aluno tinha o mesmo nome do meu irmão: Kaled Cury. Era boxeador. Um dia, seo Salomão, também professor de Árabe, ofendeu, verbalmente, este meu colega, que revidou com um murro na cara dele. Foi expulso da escola. Por eu falar Árabe fluentemente, o diretor passou a me ver com mais simpatia.

O Parque Trianon, próximo à escola, estava sendo construído. Com meus colegas, Ayda Smit e Fuad Sawaya, eu matava aulas, à tarde, para subir numas pedras enormes usadas nesta construção. Também ia às matinês do Cine Paraíso, adorava os filmes do Flash Gordon.

Além do bar, papai vendia gravatas para as Casas Minerva, no Largo do Tesouro (depois, Largo do Correio). Em casa, mamãe cortava e costurava essas gravatas. Mas papai se desentendeu com o irmão, viciado em jogos, e decidiu vender o bar. Retornamos à casa dos meus avós, em 1941.

De volta às origens

Todas as tardes, no alpendre da casa, vovô costumava fazer aperitivos. Enquanto isto, minhas primas e eu ficávamos cantando em cima dos pés de caqui, no pomar do nosso avô. Também acompanhava meus irmãos para todo lado. Brincava com eles no Rio Guaxupé, no Bebedouro, e empinava pipas.

Depois, nos mudamos para a Avenida Conde Ribeiro do Valle, numa casa que tinha o chão de tábuas lavadas e fogão à lenha. O depósito de lenha ficava no porão. Com o tempo, apareceram fissuras no piso da casa. Por ali, começaram a entrar insetos e filhotes de cobras. No fundo do quintal, onde papai plantava muito milho, havia um brejo, formado por causa de um desvio que fizeram no percurso do Rio Guaxupé.

Fiz o propedêutico e o curso Técnico em Contabilidade na Academia de Comércio São José. Tinha apenas duas colegas, Lusbelina Alves e Maria da Glória, os demais eram homens. Lembro-me, com saudades, dos professores João Cândido, Dr. Artur Leão, Almo Saturnino e do sempre tão compreensivo seo Totó Eclissato.

Estava no 2º ano técnico quando representei a Academia no concurso de Rainha dos Estudantes. Heloísa Zerbini representou o Ginásio. Após a eleição haveria um baile. Na hora de conferir os votos, aconteceu um bafafá, uma briga muito feia que acabou com o meu sonho de ser rainha dos estudantes e com a festa.

Em 1944, recebi o diploma. Meu avô viajava pelo Brasil para celebrar batizados e missas. Voltava com muitos cortes de tecido que ganhava e dava de presente para as filhas e netas. Minhas tias, Fádua e Angelina, fizeram um vestido lindo para eu usar no baile de formatura. Estava quase pronto quando souberam que Tereza Buffoni, convidada para dançar a valsa com um dos formandos, havia feito um modelo igual. Fizeram outro, às pressas, para mim. Também ficou lindo, foi uma noite maravilhosa.

Quando me formei, seo Ítalo Russo me convidou para trabalhar no escritório da Papelaria Brasília. Um dia, chegando do trabalho, ouvi uma música. Quase desmaiei de felicidade quando entrei em casa e vi um rádio, meu sonho de consumo. Passei a ouvir música até altas horas, mesmo com as broncas da minha mãe.

Aprendi muito nesse escritório, mas fiquei poucos meses, pois mamãe adoeceu e precisei deixar o trabalho para ajudar em casa. Fiz amizade com Dirce Matos, grande amiga, e Walquíria Russo, minhas colegas na papelaria. Nós três fomos as primeiras mulheres a usar calças compridas em Guaxupé, num baile de Carnaval. Papai nunca soube deste fato, era muito rigoroso com os filhos. Mamãe era jóia, acobertava a gente quando ele viajava a trabalho.

Minhas tias me ensinaram a bordar. Bordei muito para fora, fazia crivo e sutache. Consegui juntar um bom dinheirinho, que emprestei ao papai. Ele só melhorou de vida ao vender, na região, as Balas Imperial, fabricadas em Uberlândia. Eram uma delícia.

Um tempo depois, tio Jacob Sabbag pediu que papai me deixasse trabalhar, provisoriamente, no caixa do Bazar Avenida, em substituição a uma funcionária. Fiquei mais de um ano nessa função. Quando saiu a nota de mil cruzeiros, muito parecida com a de 100, cometi um erro: troquei uma pela outra, ao dar um troco. Tio Jacob foi muito compreensivo comigo, pois eu não tinha como pagar o prejuízo.

Namoro, batuques e casamento

Era muito amiga da Genoveva Saad. Por este motivo, fiz, também, amizade com o irmão dela, Sadalla. Em 1946, começamos a namorar. Íamos muito a bailes, gostávamos de dançar. Habitualmente, namorava dentro de casa. Quando ele começou, em 1947, o bloco de carnaval de rua Os Bicancas, com cerca de vinte amigos, entre eles, meu irmão Kaká, juntei-me ao grupo. Havia somente três mulheres.

Ficamos noivos, em 49, nos casamos, em 1951. Em homenagem ao meu avô, já adoentado nessa época, vieram de São Paulo para celebrar nosso casamento, na Igreja Ortodoxa, um bispo e um vice. Após nossa lua de mel, em Poços de Caldas, fomos morar com meus sogros.

Em 1952, nasceu nosso primogênito, Marcos Antônio. No ano seguinte, nos mudamos para uma casa na Rua Aparecida. Em 1956, nasceu nossa filha, Lidia Maria. Foi uma época muito boa. Aconteciam muitas festas na nossa casa, com muito samba e batuque. Nossos primos vinham de São Paulo para brincar os carnavais.

Fui convidada para ser uma das ‘10 mais elegantes’ em um baile do Clube Guaxupé., onde tínhamos mesa cativa. Quando Isaac Elias foi presidente, ganhei um diploma de foliã mais animada e um prêmio em dinheiro.

No início dos anos de 1960, nos mudamos para nossa casa, construída na Praça do Rosário, em frente à casa dos meus pais. Nossa caçula, Sheila, nasceu em 65. Com o passar dos anos, Os Bicancas virou escola de samba. Chegou a ter mais de trezentos integrantes, a bateria, mais de cem. Nádia era porta-bandeira e Jorge Abrão, mestre-sala. Nosso bloco desfilou e fez pré-carnavais em algumas cidades da região, como Poços de Caldas e São João da Boa Vista.

Uma vez, ao descer do ônibus, tropecei, e uma mulher que nos observava, falou: já chegou bebum. Logo eu, que não bebia nada. Noutra feita, pisei no arco da fantasia e caí, ficando com as pernas para cima. Meu sobrinho, Wagner, me ajudou a levantar. Foi um vexame, nunca mais quis usar arcos. Desfilamos, pela última vez, em 1981.

Fiz várias excursões, para a Pousada do Rio Quente, Salvador, Sul do Brasil e Madrid, na Espanha. Passamos vários carnavais no Rio de Janeiro, em excursões com o amigo André Calicchio. Numa destas viagens, Nádia, Lidia Maria, Marília Gonçalves e eu desfilamos na Unidos da Tijuca. Foi uma realização.

Participei muito da vida escolar dos meus filhos, estudava com eles para as provas. Também, sempre gostei de escrever. Colaborei com os jornais Coreto e Atitude. Escrevi crônicas para 23 edições da revista Atitude Interior.

Um dos meus maiores prazeres é caminhar, comecei há mais de quarenta anos. Apanhei muita chuva, caminhando. Até hoje, caminho por uma hora com minha filha caçula. Meu passatempo é fazer palavras cruzadas e ler romances. Ainda, participo do Viralatas do Samba, não posso deixar a peteca cair.”

Este vai ser o quarto ano de Lorice com o Viralatas do Samba. Muito participativa, faz sugestões para as fantasias e colabora na confecção dos adereços. Foi grande fonte de inspiração para o desfile de 2011. Ainda, ajuda sua filha na revisão desta coluna semanal com dicas preciosas. Sua força e alegria são um grande exemplo para toda a família: tem seis netos, mais Manuela e João Lucas, bisnetos.




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