Publicado sábado, 11 de fevereiro de 2023
Leitor, certamente você já ouviu essa frase centenas e centenas de vezes.
Mas você sabe quem é o dono da inesquecível e fascinante voz que sempre narrou essa frase para todos nós?
A marcante voz é do ator e dublador Márcio Seixas que, além dessa famosa frase, também dublou outros personagens para sempre registrados na mente e no coração dos brasileiros. Márcio dublou o ator e comediante Leslie Nielsen, nos filmes "Apertem os cintos, o piloto sumiu", "Corra que a polícia vem aí", entre tantos outros. Dublou outro astro do Cinema, o ator Charlton Heston, nos filmes "A Maior História de Todos os Tempos", "Os Dez Mandamentos" e "Ben-Hur". Dublou também os atores Clint Eastwood e Morgan Freeman. Dublou o personagem 007 - James Bond, dando voz brasileira aos atores Sean Connery, George Lazenby, Roger Moore e Timothy Dalton. No desenho animado, deu voz a vários personagens, dentre eles, o Sr. Incrível, de "Os Incríveis"... E, claro, o lendário dublador Márcio Seixas deu voz ao também inesquecível personagem Batman, em Liga da Justiça.
Família reunida, na sala, no quarto, assistindo aos bons filmes, e apreciando a melhor de todas as dublagens do mundo: a dublagem brasileira, composta por exímios atores e atrizes. A dublagem nos permite olhar para a face e para os gestos dos personagens. Afinal, quando o filme é legendado, apesar de também ter o seu valor, nos distrai das expressões dos atores, pois precisamos ler.
Trazer os personagens de filmes e desenhos para a nossa compreensão, para o nosso mundo, para o nosso contexto e cotidiano, para a nossa pátria, para a nossa língua, é de um brilhantismo profissional admirável e um dom de Deus louvável.
É improvável passarmos indiferentes diante de um bom filme.
É impossível não sermos emocionalmente impactados, comovidos e convencidos perante uma espetacular dublagem.
Márcio Seixas sempre manifestou carinho especial aos seus fãs, e ternura pela sua Família. Você o conhecerá um pouquinho mais aqui, nesta breve entrevista, realizada pelo nosso colunista, Rodrigo Fernando Ribeiro.
Confira, na íntegra:
Márcio, sabemos que cada ação humana é determinada por uma grande soma de motivos. Quais foram os principais motivos que te levaram a escolher a dublagem como missão de vida profissional?
Não foi uma escolha planejada. Meu ingresso na atividade de dublagem se deu por acaso, embora eu adorasse esse trabalho desde seu advento em 1960, por uma decisão do Presidente da República, Jânio Quadros. “Fica instituída a obrigatoriedade de se dublar todo e qualquer filme estrangeiro para televisão brasileira. Cumpra-se. Revogam-se as disposições em contrário!” Deve ter sido assim o resumo da lei, presumo.
O Brasil dormiu uma noite em 1960 e acordou na manhã seguinte com a lei aprovada sem restrições. Ótimo! Mas... quem vai fazer esse trabalho? Como serão os estúdios? Quem serão os dubladores? Como dublar se não existem? Esses magníficos profissionais, jamais, em tempo algum igualados, vieram, na sua grande maioria, do Rádio. Locutores, narradores, e rádio atores das emissoras AM do Rio de Janeiro e de São Paulo.
Em BH a única rádio que poderia fornecer essa formação era a INCONFIDÊNCIA, O GIGANTE DO AR, conforme sua vinheta, que deve ser divulgada até hoje. Apaixonado por rádio, eu absorvia como ouvinte fixo, tudo o que a emissora programava, principalmente o rádio teatro. Não perdia um sequer.
O que eu interpretava, à minha maneira, ouvindo na tv o que o dublador fazia, eu repetia a mesma coisa ouvindo os maravilhosos rádio atores da Inconfidência, dentre eles, Luiz Edmundo, Paulo Gonçalves, Levy Freire, Seixas Costa, que não era meu parente. E na tv Itacolomy, a maior, mais delicada, mais gratificante referência artística na minha vida de profissional da voz, era o GRANDE TEATRO LURDES. Meus ídolos eram Thales Pena, Adilson José, Lázaro Araujo, Ana Lucia Katah, Wanda Lacerda, Antonio Naddeo, Ary Fontenelle, Ricardo Araujo, inimitável interpretando o demônio em A GARRAFA DO DIABO.
Em 1968, consegui uma chance na rádio Atalaia. Um sonho realizado. Auto-didata, tudo o que se fazia no rádio me interessava. Trabalhando diariamente no microfone, a dublagem me fascinava, sem contudo me induzir a procurar esse caminho.
Morador de Belo Horizonte, era impossível arquitetar planos ou ações corajosas de me mudar com armas e bagagem em busca de uma oportunidade nesse segmento artístico.
Ainda mais com um bebê em fraldas!
TODAS as vezes que vi um filme dublado, me perdi em horas e horas imaginando por exemplo, três dubladores num estúdio gravando em português as vozes de três atores americanos. Na minha ingenuidade, eu procurava entender como um ator brasileiro pode repetir a mesma severidade de um juiz do filme, aos berros, pedindo ordem no tribunal.
Será que o brasileiro grava olhando a tela o tempo todo com algum ponto eletrônico dizendo o texto? Quantos ensaios são necessários para se gravar uma cena assim? Eram dezenas de questões sem resposta. Não havia onde buscá-las.
Na noite em que vi o filme DAYS OF WINE ROSES, com Jack Lemon interpretando um alcoólatra, chorei junto com ele e com o dublador Mario Monjardim.
Para se livrar do vício, o personagem enterra a garrafa de bebida num canteiro de rosas. A noite cai junto com uma tempestade de raios e trovões. A esposa, já descrente do marido e do casamento, inicia uma grande discussão.
Ele, acossado pela culpa, pelas convulsões físicas da abstinência, aterrorizado pelo medo de perder sua mulher, desiste do juramento de não beber e corre para o jardim, debaixo do temporal, chorando copiosamente e desenterra com as mãos a garrafa de whisky.
Sob temporal, ajoelhado no jardim, elevando ao céu os dois braços com a garrafa de bebida, comemora em desespero a volta ao fundo do poço, entre gritos, soluços, risos trágicos. Sim, eu chorei.
A cena é forte, lindíssima! Acabado o filme, eu tive certeza de que não conseguiria sincronizar as minhas falas com os risos arfantes, choro, falas entrecortadas, palavras não completadas pelos soluços. Eu definitivamente não conseguiria fazer aquilo, pensava.
Interpretar com emoção para emocionar um público de milhões de pessoas é uma grande responsabilidade, tarefa para poucos. Jamais me dariam crédito, o pessimismo falava alto.
Tudo isso se passava nos meus momentos de isolamento e silêncio. Meus colegas de profissão nunca souberam desses conflitos subjetivos. Essa regiã do meu consciente, era um paraíso!
Onde fui juiz, advogado, motorista de táxi, policial agressivo, policial indeciso, delegado grosseiro pressionando suspeito, cowboy, bandoleiro, narrador, apresentador, detetive, etc. Quase sempre eu me reprovava. Tinha certeza de que se eu conseguisse um teste, não conseguiria convencer o avaliador.
Em fins de 1973, profissional de rádio desde 1968, casado, um filho de 9 meses (que perdi num acidente fatal em janeiro de 2022), vim de BH para o RJ atendendo a um convite para trabalhar com locutor noticiarista.
Ansioso pela oportunidade, não discuti o óbvio; a garantia da oferta. Que, claro, não se concretizou. Quem fez o convite mudou os planos quando me apresentei na metrópole turbulenta, menos de 10 dias depois de rápidas tratativas por telefone.
Desempregado, horrorizado diante do desconhecido, numa cidade onde não conhecia ninguém, saí à procura de portas para bater. Bati em muitas. Nenhuma se abriu, nem para uma entrevista de minutos para me submeter a um teste.
Foram dias de grande terror e depressão. Em dois meses, com os poucos recursos financeiros perto do fim, considerava voltar à BH para mendigar o emprego de volta. Meu filho bebê era prioridade absoluta.
Pelo menos no meio em que me formei profissionalmente, eu tinha chances reais de me recolocar.
Num domingo de manhã, uma luz, que, hoje eu sei, era um sol, muito mais do que uma simples luzinha, se acendeu na leitura de um anúncio de jornal publicado pela produtora HERBERT RICHERS SA, oferecendo estágio para quem tinha boa leitura em voz alta. Na segunda feira pela manhã eu me encontrava no meio de 330 interessados.
Graças ao bom Deus, fui avaliado, escolhido e acolhido.
Sua voz tocou aquilo que de mais profundo, mais substancial, mais sagrado o ser humano possui: a sua alma. Sendo assim, Márcio, a sua voz ganha uma dimensão afetiva eterna. Sua voz penetra o imaginário individual e coletivo, entra na esfera do inesquecível e até do inefável. Você tem consciência dessa realidade imensa?
Não, Rodrigo, e jamais aceitarei esses atributos que são uma tentação à vaidade. Minha origem, minha formação, minha educação me blindaram contra a soberba. O que sei, convicto, sem margem de questionamento, é que quando a oportunidade apareceu, a agarrei de unhas, dentes e agradecimento à Deus, pela única porta que se abriu à minha passagem no Rio de Janeiro.
Quando por diversas vezes estive perto de pessoas estranhas que reconheceram minha voz e se aproximaram para conversar, pude perceber olhos cheios de lágrimas, mãos e gestos trêmulos de emoção. Essa reação tem o poder de me contagiar. Me emociono junto com a pessoa gentil, porque são reações muito genuínas de apreço e carinho.
Se Deus Colocou alguns momentos de provação na minha vida, certamente colocou livramento nestas reações humanas que são extremamente gratificantes para mim.
Você dublou muitos personagens pertencentes às histórias sagradas. Dublou, por exemplo, o extraordinário ator Charlton Heston no personagem de João Batista, no filme A Maior História de Todos os Tempos. Falando do sagrado, muitos homens e mulheres de fé se inspiraram em outras pessoas comprometidas com as coisas do alto. Por exemplo, Santo Antônio e Santa Clara se inspiraram em São Francisco de Assis, e todos eles se inspiraram em Jesus de Nazaré. Márcio, no seu caso, em quem, na sua vida, na sua fé ou na dublagem, você se inspirou?
Me inspirei na minha fé. Esteve sempre comigo. Inabalável. Cresci ouvindo o comportamento em discurso e prática a atitude de fé de meus avós, tias, familiares.
Na Sexta Feira da Paixão eu me ajoelhava na igreja católica vazia (até hoje, gosto de entrar em igrejas vazias, principalmente as pequenas) com meus avós paternos diante do esquife de Cristo Crucificado. Meu avô, ela e eu, segurávamos uma vela acesa cada um em atitude de contrição.
O produto que compunha a vela de espermacete se derretia lentamente escorrendo até minha mão. A dor da queimadura era quase insuportável. Mas eu não arredava pé daquela posição, com os olhos fixos no rosto sofrido da imagem no esquife. Na minha cabeça de criança, eu achava pouco o meu sofrimento, vendo a imagem ensanguentada e torturada, a cabeça cravejada de espinhos. Embora tentando não externar movimentos de aflição, mesmo discretos, provocados pela queimadura, minha avó percebia. Dona Alzira Augusta de Seixas, a Potita, amada pela família e pelos vizinhos, que fazia pra mim o ovo frito mais delicioso do mundo, dizia com sua voz baixinha, impregnada de verdade num dos meus ouvidos: “...Ele morreu para nos salvar! É um exemplo de perdão que precisamos seguir...”
A vida prática, nos confronta com os eventos que exigem nosso perdão, nos colocando à prova. Todo santo dia. Algumas vezes saí vitorioso. Outras não. Em algumas situações, tendo a certeza de que negaria o ato nobre de perdoar, optei, com disciplina e renúncia, limpar meu coração do rancor, do ódio. Eu sempre soube que esse é o maior câncer da alma; o ódio.
Sabemos do seu carinho pelo público que o admira. Verdadeiramente, Márcio Seixas, seu nome também é Credibilidade. E sabemos também do seu carinho pelos seus filhos e netos. Quais palavras por você narradas, gostaria de definitivamente deixar, como imortal legado, para toda a humanidade?
Ah, Rodrigo, com a proliferação dos smartphones, tablets e tantos aparelhinhos fascinantes até para os bebês, fica difícil incutir nas cabecinhas adoráveis dos meus pequenos descendentes uma história comovente como a do alcoólatra. Ou da linda parábola do ser humano que caminhava na areia com um par de pegadas do seu lado e reclama num determinado ponto da caminhada que foi deixado sozinho. Em resposta ouviu: “você já pode caminhar sem ajuda, em seus próprios passos...” São minhas as palavras, claro, só quis mencionar a parábola, que é maravilhosa. As dores nos dois joelhos causadas pelo desgaste da cartilagem que não me permitem ajoelhar e subir escadas, as três cirurgias na região lombar, a bursite que não dá trégua, são um obstáculo a uma eventual aventura com Davi 9, Caio 5 e Rafael 3 anos a uma igreja pra repetir com eles o que minha avó e meu avô fizeram comigo. Só rindo mesmo da cena imaginada.